quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Os Miseráveis - Oscar 2013

★★★★☆
Ótimo

Meu primeiro contato com "Les Miserábles" não foi a obra original, romance de Victor Hugo, nem o premiado musical da década de 80, mas sim a versão cinematográfica de 1998, com Liam Neeson e Geoffrey Rush. O romance ainda teve mais duas adaptações cinematográficas, uma em 1935 e outra 1958, além de uma miniserie, com Gérard Depardieu e John Malkovich. Depois de 14 anos a obra do poeta e dramaturgo francês volta para a telona numa versão, agora musical, dirigida por Tom Hooper.

Tom Hooper começou sua carreira dirigindo episódios de séries britânicas, mas começou a aparecer mesmo ao ser escalado para dirigir os 7 capítulos da ótima minisérie da HBO "John Adams". A minisérie foi muito elogiada e faturou quatro Globos de Ouro. Porém, foi com "O Discurso do Rei" que ele foi realmente reconhecido em Holywood, sendo premiado com o Oscar de Melhor Diretor pelo filme.
Apesar de já ter um Oscar em mãos, o diretor está longe de ser unamidade na área. Suas manias visuais, como Dutch Angles (planos inclinados) e enquadramentos em que deixa seus atores em cantos da tela ou com bastante espaço sobre suas cabeças e, às vezes, tudo junto, incomodam muita gente. Da primeira vez que se assiste um filme assim, até pode soar interessante. Depois, só esquisito.

E em Os Miseráveis, primeiro filme após sua vitória no Oscar, essa linguagem própria reaparece, goste ou não. Sua direção é baseada na atuação, mostrando os atores em primeiríssimos planos (close ups), muitas vezes preterindo o cenário que, por mais grandioso que seja, é esquecido — e quando aparece, é fora de foco. Em poucos momentos temos a chance de ver uma parte real do cenário, ou ele como um todo, já que planos médios e gerais são raros.


Na trama, ambientada na França no século XIX, acompanhamos a incessante caçada do inspetor Javert a Jean Valjean (Russel Crowe e Hugh Jackman, respectivamente), que ficou 19 anos presos por roubar um pedaço de pão, e suas consequências na vida de pessoas próximas ao herói injustiçado.

O filme já começa com uma sequência que mostra que veremos uma produção de proporções épicas, digna da história. E, sem enrolação, somos apresentados ao nosso herói Valjean e seu antagonista, Javert. Importante notar que logo aí vemos um conceito que será trabalho durante todo o filme: a sequência chama atenção para o herói por baixo sendo oprimido pelo vilão, em cima. Esse detalhe já demonstra que é uma história sobre injustiça, e sobre os pobres sendo tratados como inferiores pelos ricos e homens da lei. Não só o enquadramento e a montagem da sequência mostram isso, como também a primeira música que ouvimos, "Look Down" — que tem duplo significado no filme, servindo tanto para os pobres não olharem para os olhos dos ricos, e quanto para os próprios ricos que se recusam a olhar para baixo e ver a miséria do povo.

A escolha de Hooper por gravar os atores cantando ao vivo nas cenas enquanto interpretam, realmente fez diferença. Normalmente em Musicais, os atores gravam as músicas previamente em estúdio e, durante a gravação de suas cenas, apenas dublam. Mas em "Os Miseráveis", todos os atores cantaram enquanto atuavam, o que passou uma noção maior de realidade e aprimorou suas atuações.
Hugh Jackman e Anne Hathaway, que no Oscar de 2009 já tinham mostrado ao mundo que se garantem em musicais (Hathaway ainda repetiu a dose dois anos depois), brilham no filme. Não só perfeitos nas atuações, mas também cantando. Ambos foram justamente indicados ao Oscar. Russel Crowe, mesmo cantando num tom alto, não chega a comprometer e também tem seus bons momentos. Amanda Seyfried faz bonito, assim como os Eddie Redmayne e Samantha Barks, que compõe o triângulo amoroso no filme.


Porém, mesmo os atores fazendo suas partes, o roteiro de William Nicholson vacila em não trabalhar bem alguns aspectos do filme, como o relacionamento de Cosette (Seyfried) e Marius (Redmayne). É normal que em Musicais o romantismo tenha um papel maior do que numa produção mais fiél à realidade, mas esse amor devastador à primeira vista soa bobo, diferente, por exemplo, da versão de Bille August, onde o relaciomento deles dois (assim como o de Valjean com Fantine) é melhor desenvolvido. Além de não trabalhar o relacionamento do casal principal devidamente, o filme perde muito tempo explorando a parte "complementar" do triângulo, representado no amor não correspondido de Éponine por Marius. Claro que é agradável ver a bela Samantha Barks atuar e cantar, mas é uma pena que o personagem dela acabou tendo mais importância que a própria Cosette.

E esse não é o único problema do roteiro, que parece ter pressa em contar algumas partes da história que poderiam ser contadas com mais cuidado — sim, mesmo o filme sendo longo. O encontro de Valjean com o Padre que o salvou, por exemplo, é corrido, como se aquele não fosse um dos acontecimentos capitais da história. Enquanto conta alguns eventos da história com pouco cuidado, outros, menos importantes, são mais explorados. Toda a participação de Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohem é um exemplo. As partes dedicadas à dupla (principalmente a apresentação de seus personagens), servem para quebrar o clima dramático que domina o filme, porém o fazem de maneira muito forçada. Fora que os atores se tornaram caricaturas de seus personagens. Ambos parecem ter saído de "Sweeney Todd - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet" — outro Musical que gosto, por sinal.

Mas não cabe apenas críticas ao trabalho de Tom Hooper. Mesmo com sua identidade visual questionável, e os problemas do roteiro (que ele não assina, mas, como diretor, tudo tem que passar por sua aprovação) é inegável que ele também teve seus acertos. Ele consegue criar belas cenas, fazer com que um Musical de 2 horas e meia não fique (tão) cansativo, extrair grandes atuações de seus atores e criar empatia entre personagens e audiência — também, depois de esfregar na cara do espectador cada expressão facial de seus atores, se não conseguisse, eu não conseguiria descrever o tamanho do fracasso.


Outro acerto foi saber trabalhar bem as personalidades de seus personagens principais. Mesmo conhecendo-os por pouco tempo, sentimos como já o conhecessemos há muito, tendo lido ou visto outras versões da obra, ou não. Um detalhe interessante é quando, no meio da revolução, Valjean tem a chance de se vingar de Javert. Naquele momento, visualmente, os próprios personagens trocam de papéis no universo diegético (do filme) e interpretam personagens que são completamente o contrário do que representam (pelo menos legalmente): Valjean, fugitivo da lei, se finge de soldado enquanto Javert, homem da lei, de revolucionário. Só que na hora da verdade, tanto Valjean quanto Javert não conseguem trair suas verdadeiras personalidades e convicções. Valjean não mata Javert, que por sua vez, jura continuar o caçando. Foi uma sequência muito bem montada, que até pode ter na obra original, mas, se não fosse pensada com cuidado, não teria o mesmo efeito numa obra cinematográfica — o inverso também acontece, já que há cenas que parecem não funcionar no filme.

Se a direção e o roteiro têm seus defeitos, não há dúvida que o departamento mais competente foi o de Arte. Todo o design e direção, com a cenografia e figurinos, são belíssimos, montando com muito cuidado a França do Século XIX. Mas Hooper, como não podeia deixar de ser, acaba sufocando esse trabalho.
A trilha sonora, estrela do filme, é um espetáculo à parte com suas músicas que se encaixaram bem na adaptação para o cinema. Elas reforçam o clima que a história pede no momento, seja épico, emocionante, romântico ou de algo iminente, como a revolução.


"Os Miseráveis" é um filme difícil por ser um Musical com duas horas e meia. O gênero já não é muito popular, e com a duração exagerada, pode afastar ainda mais potenciais espectadores. Mas independente da preferência cinematográfica, o filme vale a pena pela sua bela história. Ainda mais por ela abrangir vários temas como romance, redenção, e até questões sociológicas — como cada classe se comporta diante da outra e como a indiferença levou a revolução. Apesar de ter um clima cético durante a maioria do filme ("Here is the thing about equality/everyone's equal when they're dead") não tem como sair da projeção com uma sensação de bem estar. E eu duvido que até o espectador com o coração mais duro não ficará mexido com o lindo e poético final que não fecha apenas a saga de Jean Valjean, mas engloba toda a história.

É um bom filme, apesar de seu diretor.

Les Misérables
Inglaterra, 2012 - 158 min.
Drama/Musical
Direção: Tom Hooper

Roteiro: William Nicholson
Elenco: Hugh Jackman, Russel Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried, Sacha Baron Cohen, Helena Bonham Carter, Eddie Redmayne, Samantha Bark, Daniel Huttlestone
Indicações ao Oscar: Melhor filme, Melhor ator, Melhor atriz coadjuvante, Melhor canção original, Melhor maquiagem, Melhor figurino, Melhor direção de arte, Melhor mixagem de som 

*Em negrito os prêmios ganhos

2 comentários:

  1. Boa análise.
    Quanto à importância que ele dá à Éponine, eu também estranhei ao assistir mas, se você pensar bem, numa história que se chama "Os Miseráveis" faz mais sentido dar destaque a um personagem que não tem seu amor correspondido do que a um casal apaixonado.

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    1. É verdade. Então que desse mais valor à Cosette. Sei lá. Pra uma personagem principal, ela teve menos importância que a coadjuvante.

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