sexta-feira, 29 de março de 2013

A Hora Mais Escura - Oscar 2013

★★★★★
Excelente


Muito se esperava do novo filme de Kathryn Bigelow. Há 3 anos ela ganhou o Oscar de direção por seu filme anterior, "Guerra ao Terror" — que também levou o prêmio de Melhor filme ao bater "Avatar". A diretora mostrou que sabia contar uma história sobre guerra e, em "A Hora Mais Escura", ela repete a dose, mas dessa vez numa escala muito maior.
O filme narra, sob o olhar da jovem agente Maya (Jessica Chastain), os 10 anos da caçada da CIA a Osama Bin Laden, o líder da Al Qaeda e responsável pelo ataque ao World Trade Center, em 2001.

Indicando que não será um filme fácil, a primeira cena da produção é de tortura. Maya, que foi contra vontade designada à missão no Oriente Médio, mostra claro desconforto com a sessão de tortura ministrada, por assim dizer, por Dan (Jason Clarke). É uma sequência bem gráfica, e até revoltante. Dan não economiza na violência e, entre sessões de golpes e humilhações, repete a frase "Quando você mente para mim, eu te machuco", que deve ser a pior coisa a se ouvir para um torturado, culpado ou inocente.

Mas apesar de toda brutalidade nos interrogamentos, Dan não é um monstro. O roteiro de Mark Boal (também premiado no Oscar por "Guerra ao Terror"), mesmo não se aprofundando na vida dos personagens, faz questão de expor a habilidade das pessoas de cometerem atos bons e maus, seja por crença, desespero, ou trabalho (como os torturadores). Tanto que mais tarde Dan se cansa de viver torturando e sente necessidade de fazer algo normal por um tempo. Ele continua na CIA, mas se afasta das missões de campo. Ele sabe a hora de parar, ao contrário de Maya, que cada vez se torna mais obssessiva com a investigação do paradeiro de Bin Laden, vivendo exclusivamente para isso.


Com o passar dos anos Maya fica mais experiente e "durona". E, de observadora, ela começa a comandar sessões de tortura — inclusive repetindo o discurso de Dan, sobre seguir, estudar e conhecer o prisioneiro. Seu nome vai se tornando importante e ela ganha experiência e confiança, inclusive para peitar seus superiores. Mas, apesar de todo o seu esforço, a Al Qaeda continua sua onda de terror ao redor do mundo. Outros atentados terroristas supostamente causados pela organização também estão presentes no filme, como o de Londres, em 2005, e o no Hotel Marriott (Paquistão), em 2008 — onde Maya, convenientemente, estava com Jessica (Jennifer Ehle).
Esses atentados, somados com a ineficiência em conseguir pistas reais, começam a causar uma certa raiva, ou melhor, desespero, entre os agentes da CIA. Mas uma ficha achada que estava há anos no arquivo da Agência, pode mudar isso tudo, o que dá mais esperança a Maya.

Se há uma coisa que o roteiro de Mark Boal falha é tentar transformar Maya numa personagem badass demais. Um dos momentos que reflete isso é a frase "I'm the motherfucker that found this place, sir" dita por Maya ao chefe da CIA que daria ou não o sinal verde para a invasão à mansão de Bin Laden. É compreensível que ela, na reunião, estivesse se sentindo excluída e ignorada, mas ela realmente precisava falar assim para tentar ganhar respeito? Sem falar que é meio inverossímil que alguém faça isso na vida real sem receber ao menos uma advertência.
Porém, o roteiro tem mais acertos do que defeitos e esses vacilos não diminuem o ótimo trabalho de Mark Boal.

"A Hora Mais Escura" é tecnicamente excelente. O filme só levou o Oscar de Edição de Som (dividido com "Skyfall"), mas a montagem e a fotografia são fundamentos de prima importância para o sucesso da narrativa. Até pequenas coisas foram pensadas para combinar com o clima que Kathryn Bigelow queria aplicar no filme, como a câmera quase sempre no ombro, levemente tremida, que ajuda a passar uma ideia mais realista e até um clima de tensão — o que seria mais difícil com a leveza da steadicam.
Não sabemos até que ponto os eventos narrados foram reais, mas a diretora faz um belo trabalho ao estudar com cuidado os fatos e personagens que fizeram parte dessa história. Ela em nenhum momento sacrifica a boa narrativa para transformar o filme numa produção de ação, por exemplo. Tudo que é mostrado tem uma razão para estar ali.


Com a estreia do longa, as polêmicas envolvendo a tortura no filme começaram a surgir. Acusaram Bigelow de apoiar a tortura, o filme de mostrar que essa prática foi fundamental para a chegar a Bin Laden, etc. É bem verdade que no filme há muitas cenas de interrogamentos em que a tortura é utilizada, mas acusar Bigelow de ser a favor desse tipo de ação é injusto com ela, além de entender mal o filme. Contar uma história, como ela supostamente aconteceu (com suas devidas licenças poéticas, naturalmente), não é ser a favor dos eventos narrados. Sabemos que a tortura realmente foi utilizada pelos Estados Unidos. Agora, se isso foi essencial para a captura de Bin Laden, provavelmente nunca saberemos com certeza, pois é algo que os responsáveis não admitiriam facilmente. Sim, é uma obra de ficção baseada numa história real. Sim, foi criado todo um material em volta dos fatos conhecidos (como os próprios diálogos). Mas o que "A Hora Mais Escura" faz, na sua essência, é isso: narrar os fatos importantes que levaram à captura de um dos maiores terroristas que o mundo já viu.
Uma curiosidade sobre o filme é que, originalmente, era pra ser sobre os 10 anos de caça sem resultados a Bin Laden. Quando ele foi morto, o roteiro teve que ser reescrito. Se o filme tivesse sido lançado há 2 anos, com certeza o discurso não seria "Bigelow mostra que as torturas levaram a Bin Laden", e sim "Bigelow mostra que APESAR das torturas, Bin Laden não foi encontrado". O filme seria uma crítica a prática.

Outra prova que Bigelow de maneira nenhuma apoia a tortura está numa cena que pode ter passado despercebida para muitas pessoas (principalmente para as que a acusam).
Depois de fazer um establishing shot (plano que apresenta onde a próxima ação irá se passar) de uma prisão da CIA no Afeganistão onde prisioneiros são postos em celas individuais ao ar livre, a diretora mostra Dan alimentando pequenos macacos e, não satisfeita com isso, ainda faz questão de colocar num mesmo plano os macacos na gaiola e os prisioneiros "enjaulados", claramente fazendo uma analogia e crítica ao tratamento sub-humano que eles recebem. Portanto, acusar "A Hora Mais Escura" de apoiar a tortura é tão estúpido quanto acusar "Django Livre" de ser racista.


Pode-se até discutir se "A Hora Mais Escura" conta a história verdadeira ou toma liberdades em criar situações fictícias, mas o certo é que a dupla Bigelow/Boal teve sucesso em impor um clima de "investigação" real ao filme, que parece ser um grande documentário, contando todas as etapas que levaram à descoberta do abrigo de Bin Laden, inclusive as pistas que, pelo menos a princípio, não levaram a lugar nenhum. E, como um documentário, o roteiro se priva de explorar a vida particular de seus personagens. Pouco sabemos sobre Maya, ou Dan, por exemplo. O que na maioria dos filmes, seria visto como um ponto "contra" no roteiro, aqui essa característica se revela um "pró", pois num filme com mais de duas horas e meia e com as características documentais de "A Hora Mais Escura", se ater a algo além da História poderia acabar apenas sendo uma distração e atrapalhando a pretensão do filme e o resultado final.

Apesar de ser um filme investigativo, Bigelow sabia que não poderia deixar a invasão à casa de Bin Laden de fora do longa, já que é o momento mais esperado pelo público. E em "The Canaries", o sexto e último capítulo do filme, a diretora entrega uma sequência de ação recheada de tensão. Num breu quase total, claro apenas o bastante para nos permitir enxergar alguma coisa, acompanhamos o ataque (com vários imprevistos) dos Seal Team Six. A sequência é muito bem montada e vale ressaltar o impressionante trabalho de mixagem e edição de som. Imagino a experiência que deve ser ver aquela sequência — e, por que não o filme todo? — com um Home Theater.


A morte de Bin Laden desperta sentimentos variados nas pessoas envolvidas na operação. O membro dos SEALs que o matou, mal acredita — afinal ele acabara de fazer história — enquanto os outros do grupo ficam eufóricos. Já Maya por outro lado, após reconhecer o corpo do terrorrista, não consegue esboçar um sorriso. Depois de dedicar os últimos dez anos de sua vida apenas caçando um homem que virou sua obssessão, ela se sente aliviada, porém perdida quando tudo acaba. Ela não saber o que responder quando o piloto a pergunta onde quer ir é o retrato perfeito disso. A vida dela era o dever cívico que aos poucos foi virando um desejo de vingança (ela deixa bem claro seu objetivo de Matar Bin Laden). Não havia nada além disso. E o filme termina exatamente onde a vida da personagem principal deve realmente começar.

Se em "Guerra ao Terror" Kathryn Bigelow trabalhou o vicío de um soldado na guerra, em "A Hora Mais Escura" é a vez de mostrar a obessessão da América, retratada na figura de Maya, em vingar a morte de seus cidadãos mortos nos atentados cometidos pelo grupo de Osama Bin Laden. E a diretora o faz com louvor.

Zero Dark Thirty
Estados Unidos, 2012 - 157 min.
Drama/Suspense
Direção: Kathryn Bigelow
Roteiro: Mark Boal

Elenco: Jessica Chastain, Jason Clark, Kyle Chandler, Jennifer Ehle, Harold Perrineau, Joel Edgerton, Reda Kateb
Indicações ao Oscar: Melhor filme, Melhor atriz, Melhor roteiro original, Melhor montagem, Melhor edição de som

Nenhum comentário:

Postar um comentário