quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Círculo de Fogo


★★★★★
Excelente

Conhecido por seus filmes de terror e fantasia, como "O Labirinto do Fauno", "A Espinha do Diabo" e "Hellboy", o multitarefa Guillermo Del Toro — que já havia produzido "Mama" esse ano — dessa vez se joga de cabeça num sonho antigo seu (e de 90% dos jovens que cresceram  principalmente nos anos 80 e 90): um filme sobre monstros contra robôs gigantes.

Na trama, legiões de monstruosas criaturas, conhecidas como Kaiju, começam a emergir do Oceano (mais precisamente do Círculo de Fogo do Pacífico) e destruir cidades ao redor do mundo, matando milhões de pessoas. Quando as armas convencionais não se mostram o bastante para deter os monstros, a Pan Pacific Defense Corp começa a criar enormes robôs controlados por dois pilotos para defender as cidades. Nasce o Programa Jaeger. A princípio um sucesso, os Jaegers não conseguem resistir por muito tempo devido às aparições cada vez mais frequentes dos Kaijus e ao custo e demora na fabricação e reparo dos robôs.
A PPDC, então, decide suspender os fundos do Programa e dar prioridade à construção de muros em volta das cidades. Contrariado com a decisão, Stacker Pentecost, o responsável pelo Programa Jaeger, decide levar os quatro Jaegers remanescentes para o último post de batalha em Hong Kong, onde pretende liderar um ataque final.


Uma das coisas mais legais do filme é subverter a máxima do herói de ação, na maioria das vezes, americano. Em "Pacific Rim" (título original), a Pan Pacific Defense Corp, organização criada para defender a humanidade dos Kaijus é transnacional. Pentecost, o comandante do Programa Jaeger, é britânico e as equipes que pilotam os quatro robôs principais são da China, Rússia, Austrália e, no caso do Gipsy Danger, um americano e uma japonesa. Raleigh Becket (Charlie Hunnam, da série "Sons Of Anarchy"), um piloto aposentado e traumatizado por um evento do passado, e a inexperiente Mako Mori (Rinko Kikuchi, de Babel) são os personagens principais que se levantam como heróis quando tudo dá errado. E, apesar de Becket ser o óbvio protagonista, uma vez que a personagem de Mori é apresentada, a trama começa a girar em torno dela. Vemos a história através dos olhos de Becket, mas é Mori quem se torna a protagonista do filme.


Se um filme de ação/ficção científica com uma heroína já não é comum em Hollywood, um filme em que a heroína não seja sexualizada, é raridade. Del Toro queria que os personagens e seus dramas fossem o foco do longa, e não seus físicos (ainda assim ele presenteia as mulheres com um Charlie Hunnam sem camisa por alguns segundos) ou, ainda vou mais longe, os robôs. Sim, os robôs são as coisas mais divertidas no filme, mas sem os humanos, eles são milhares de toneladas de metal inanimado. A "alma" desses seres gigantes é o que os move, assim como a alma dos personagens é o que move o filme. Um elemento bem inteligente (e legal, vai!) que mostra isso é a conexão neural que os pilotos precisam fazer para pilotar os Jaegers. Duas pessoas (ou três, no caso dos chineses) compartilharem as mentes quer dizer compartilhar alegrias, tristezas, virtudes, defeitos, medos, decepções, fraquezas, traumas, e tudo o que nos faz humanos. Dentro de um Jaeger os pilotos — e o robô — se tornam um.

O significado disso é muito mais profundo e interessante do que qualquer embate entre um Jaeger e um Kaiju. E devo dizer que as batalhas são excepcionais. Apesar de serem feitas completamente com computação gráfica, não há uma cena em que os movimentos — seja dos seres gigantes, do mar, ou dos ambientes destruídos — soem artificiais. Del Toro e o supervisor de efeitos especiais, John Knoll, passaram semanas discutindo a física dos Jaegers e Kaijus e até os detalhes da reação que eles causariam nos ambientes (como o tremor das janelas de prédios causados pelo deslocamento de ar quando um Jaeger passa por eles). O resultado são efeitos visuais muito reais e impressionantes.


Um elemento que chama atenção na fotografia do filme é as cores, que são bem fortes. Pela primeira vez, Guillermo del Toro e Guillermo Navarro (diretor de fotografia com quem já trabalhou várias vezes) optaram pelas câmeras Red Epic, que tem uma saturação bem intensa de cores — muito maior do que uma câmera analógica. Essa intensidade das cores dá ainda mais vida aos planos que sempre buscam ostentar o tamanho das imensas criações do diretor, frequentemente os mostrando de baixo e os comparando com outros objetos e construições enormes, como arranha-céus, pontes, e até a própria profundidade do mar, onde os Jaegers raramente ficam submersos. Um momento que ilustra bastante essa ideia de proporção e que, particulamente, eu esperava muito desde que vi o trailer, é quando Gipsy Danger usa um navio cargueiro como espada, na batalha contra um Kaiju em Hong Kong (cidade onde a maioria da ação acontece). É um daqueles raros momentos em filmes pipoca em que penso "gostaria ter tido essa ideia" — a sequência da explosão do gramado enquanto um jogador faz um touchdown, em "Batman - O Cavaleiros das Trevas Ressurge", é outro momento desses.

Apesar de suas muitas qualidades, porém, o filme tem seus pontos fracos. A maioria deles mora no roteiro escrito por Travis Beacham e pelo próprio del Toro, que abusa de personagens, situações e diálogos clichês. Temos o comandante casca grossa (o sempre ótimo Idris Elba, de "Prometheus"), o piloto arrogante que rivaliza com o mocinho e o cientista maluco que funciona como escape cômico. Aliás, em "Círculo de Fogo" é uma dupla de cientistas — Newt Geiszler e Gottlieb, irritantemente interpretados por Charlie Day e Burn Gorman, respectivamente. Outro personagem responsável pelo humor é Hannibal Chau, um vendedor de partes de Kaijus no mercado negro, interpretado por Ron Pealman (também de "Sons Of Anarchy", e "Hellboy").
Há ainda situações que soam artificiais, como quando Becket e Mori "checam o pulso" de um Kaiju já morto. Percebe-se claramente que é uma cena apenas com o objetivo de impactar visualmente. Provavelmente na cabeça de Del Toro a cena teria um efeito empolgante ou até cômico quando, na verdade, soa bobo.


Entretanto, os visíveis defeitos e tropeços no roteiro não tiram o mérito do diretor e de seu filme excelente, que não só funciona como bom entretenimento, mas também é capaz de despertar a criança interior de muitos marmanjos, que certamente sentirão uma sensação de nostalgia vendo as batalhas colossais.
E, mesmo sendo cheio de metal e monstros, "Círculo de Fogo" não é um filme bruto, artificial, mas sensível, que envolve o espectador, principalmente pela força de seus personagens. O elo que Guillermo del Toro cria entre Raleigh e Mako é muito bonito. É emocionante quando, perto do final do filme, Raleigh diz à ela "All I have to do is fall, Mako. Anyone can fall". É verdade que a fala teria ainda mais peso se o destino de seu personagem fosse diferente, mas, por tudo o que significa, pela construção da cena, e interpretação de Charlie Hunnam (que merece ser mais conhecido) é um momento comovente e importantíssimo para a história do filme.

"Círculo de Fogo" é um dos melhores filmes do ano, mas com um texto mais cuidadoso seria ainda melhor do que já é. Não é uma produção que visa premiações, ainda assim é capaz de tocar e envolver o público de uma forma que muitos filmes oscarizados não conseguem.

6 comentários:

  1. Eu tbm adorei Circulo de Fogo, concordo com muito do que vc disse acima,[SPOILER ALERT!] mas uma coisa que me incomodou muito no filme foi a questão da conexão do cérebro do Kaiju bebê passar informações tão precisas para o cientista, não tinha como o Kaiju bebê saber de nada.

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    1. Mas isso pode ser explicado pelas mentes compartilhadas que os Kaijus têm. Mesmo sendo bebê, ele já podia estar "conectado" com as mentes de outros Kaijus.

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    2. Mas quando eles falam isso no filme?

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    3. O Newt fala para o Hannibal Chau quando ele está procurando um cérebro de Kaiju para se conectar. Até baixei a legenda aqui: "É fascinante como
      o cérebro deles funciona. Os Kaijus têm
      os cérebros conectados. A espécie toda
      tem uma mente coletiva."

      Tanto que é por isso que depois disso um dos Kaijus vai "procurar" por ele em Hong Kong, lembra? Ao se conectar com esse cérebro, outros Kaijus também "entraram" na mente do Newt.

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    4. CARALHO! Assim que eu reassistir o filme é bem provavel que eu aumente o meu 8 para pelo menos um 9. :)

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    5. Eu aumentei o meu 8,5 para 9 quando revi! Hehehe

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