quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Gravidade


★★★★★
Excelente


Alfonso Cuarón é um diretor que prima pela qualidade sobre a quantidade. Em quase 20 anos de carreira cinematográfica, ele tem apenas 6 longas em sua filmografia (e um segmento em "Paris, Eu Te Amo"), onde "E Sua Mãe Também", "Harry Potter E O Prisioneiro de Azkaban" e, principalmente, o seu último filme, "Filhos da Esperança", se destacam. Sete anos depois de "Filhos", o diretor mexicano reaparece com a que pode ser a obra prima de sua carreira.

"Gravity", no original, conta a história de Dra. Ryan Stone (Sandra Bullock) e Matt Kowalsky (George Clooney), dois astronautas que, ao fazerem uma operação de rotina fora da nave, são surpreendidos por uma chuva de lixo espacial que destrói a nave e os deixa à deriva no espaço ligados apenas um ao outro por um cabo. Correndo contra o tempo, os dois terão que fazer de tudo para conseguir chegar à outra estação espacial e conseguir se salvar.

Eu nunca estive e, provavelmente, nunca irei ao Espaço, mas o que experimentei durante os 90 minutos de projeção de "Gravidade" deve ser a coisa mais próxima da experiência que é estar a centenas de quilômetros acima da Terra. O filme é de um primor técnico impressionante. A edição e mixagem de som, combinados com a fotografia de Emmanuel Lubezksi ("Árvore da Vida") imergem o espectador nesse "mundo" escuro e sem som. O design de produção recria o interior das naves e estações espaciais com detalhes impressionantes.


Esses elementos ainda são somados à câmera de Cuarón, que, num lugar onde é impossível a vida, parece viva ao passear pelo espaço, como numa bela dança, enquanto nos mostra a imensidão de um lugar tão hostil.
Em "Filhos da Esperança", já pudemos ver o apreço que o diretor tem por longos takes e planos-sequência, com dois planos de tirar o fôlego — um passado todo dentro de um carro e o outro seguindo o protagonista interpretado por Clive Owen em meio a uma revolta de rebeldes. Em seu novo trabalho, Cuarón mais uma vez cria com maestria planos que duram minutos, sejam apresentando os personagens, no início do filme, ou os seguindo em seus momentos de tensão.

É muito bonito, também, a forma como o diretor utiliza por várias vezes a câmera subjetiva, se aproximando do capacete do personagem, "entrando" pelo vidro e, enfim, assumindo o seu olhar. Outras vezes, querendo mostrar o que os personagens veem e suas reações, Cuarón usa um primeiríssimo plano, inteligentemente focando nos seus rostos e, pelo reflexo do vidro do capacete, exibindo o que acontece.


Essa subjetividade é importantíssima para nos fazer entrar na mente do personagem e sentir na pele o que ele passa. Porém, isso não teria efeito se não fosse o roteiro escrito pelo próprio Cuarón e seu filho, Jonas, a precisa montagem e as atuações maravilhosas de George Clooney e, principalmente, Sandra Bullock. Seis meses foi o tempo que sua personagem passou em treinamento para a missão no espaço e foi também o tempo que Bullock levou se preparando fisicamente para o papel, enquanto estudava cada detalhe do roteiro e de sua atuação junto com o diretor. O resultado é uma das melhores atuações do ano.

Dentro do limite de tempo, os dois personagens principais são bem desenvolvidos. Matt Kowaski é um astronauta prestes a se aposentar, boa pinta e bem humorado, que ajuda a aliviar a tensão em alguns momentos. Ryan Stone é uma médica em sua primeira missão espacial. Logo sabemos que ela recentemente sofreu uma tragédia pessoal e entendemos o motivo (ou um deles) que a levou a ir trabalhar no espaço. Apesar de continuar com seus deveres, depois do trauma ela para de viver. Esse elemento do seu passado a faz ficar a vontade com o silêncio oferecido pelo espaço.

[Desse ponto em diante, haverão spoilers sobre momentos-chave da trama do filme]


A partir desse momento, o verdadeiro significado do filme começa a se desenhar e podemos aos poucos perceber do que a história contada se trata. Já não estamos mais assistindo a um filme sobre uma astronauta em perigo, e sim, estamos testemunhando o renascer de uma pessoa. Isso é muito bem ilustrado com o belíssimo plano em que Stone, após conseguir entrar na estação russa e tirar seu equipamento, é enquadrada flutuando por alguns segundos em posição fetal enquanto descansa, remetendo a um bebê no útero.

Uma vez que o sentido principal é entendido, o filme deixa de ser apenas uma obra bonita, para se tornar algo intenso, uma experiência autêntica. Não há nada mais lindo do que o renascimento da vida numa pessoa — a vida como um sentimento, e não como um período de tempo. Interiormente, Ryan morre junto com sua filha. Não havendo mais pelo que viver, ainda na Terra, ela vivia o resto dos seus dias dirigindo, sem rumo, pois era assim que ela se sentia. Todavia, quando ela olha nos olhos da morte, várias vezes (sim, os obstáculos do filme parecem ser um pouco excessivos), ela descobre uma força que nunca imaginou ter. Se revela, então, um do maiores conceitos do filme: do ambiente mais estéril conhecido, nasce uma vida.


Mas Cuarón não para por aí. A última sequência, além de reafirmar a ideia do renascimento com Ryan "reaprendendo" a andar — no espaço, ela estava em gestação, como o plano já citado apresentou, enquanto seu nascimento se deu com sua chegada à Terra —, guarda um significado ainda mais profundo. Depois de quase se afogar, a personagem nada em direção a superfície, mas, alguns segundos antes disso, uma rã é vista também emergindo. A rã, que, como todos sabem, é o estado evoluído do girino após sofrer metamorfose, é inteligentemente posta nessa sequência em particular para indicar que Ryan evoluiu. Ela é um novo ser. E não só isso. Notem como a personagem, da água, vai lentamente se arrastando até a margem, até conseguir se levantar — como a vida terrestre teve início. A câmera ainda a enquadra de baixo para cima, a fazendo ficar maior e apontando sua mudança. Nesses segundos o diretor recria, ou melhor, personifica os milhões de anos de evolução na figura de Ryan Stone.

Por ser um filme quase todo passado no espaço e com muitas metáforas, comparações com o clássico "2001 - Uma Odisseia no Espaço" já foram feitas. Mas os dois diferem muito entre si. A obra de Stanley Kubrick se encaixa muito mais no gênero ficção científica que a de Cuarón, que pode ser classificado como um suspense dramático. Enquanto "2001" aborda a evolução numa maneira muito mais extensa (e ainda influenciada por terceiros), "Gravidade" é um filme muito mais pessoal, onde a evolução é intrínseca.


Com seu novo trabalho, Cuarón mostra que, para um filme ser genial, não precisa ter uma trama complicada. Mesmo quem não conseguir ler nas entrelinhas, poderá gostar do longa por sua simples história de superação da personagem de Sandra Bullock ante uma catástrofe e vários empecilhos. Algo muito diferente do próprio "2001", que é um filme tão comprometido com sua mitologia que não permite ao espectador que não entender a trama curtir o filme.

Há muito tempo eu não saía do cinema tão satisfeito. "Gravidade" vai muito mais além do "filme-catástrofe" — é um belo conto sobre renascimento e, mais que isso, evolução. Os méritos da obra vão muito além dos aspectos técnicos. A produção beira a perfeição, graças especialmente ao roteiro dos Cuarón e a atuação iluminada de Sandra Bullock. A metáfora do renascimento de Ryan Stone como uma pessoa evoluída é linda e muito bem apresentada. O filme, sem dúvida, já é um dos melhores do ano e será lembrado por muito tempo.

"It's time to stop driving. It's time to go home."

6 comentários:

  1. Muito bom, Israel, ótima crítica! Realmente, nunca havia me sentido tão longe de casa na vida. E outra, acho que nunca quero ir no espaço.

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    1. Nem eu! A vista deve valer a pena, mas estou bem aqui com os pés no chão. Hehehe

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  2. como a vida terrestre teve início ???

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    1. Sim. De acordo com a ciência, a vida terrestre é resultado de milhões de anos de evolução da vida marinha, não é mesmo? Os organismos foram evoluindo e se adaptando à terra.

      Comente com o seu nome da próxima vez! =)

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  3. Você assistiu ao filme em 3D? Gostei demais dos efeitos especiais; acho que foi o melhor filme em 3D que eu já vi.

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    1. Sim, vi em 3D. E o melhor: em IMAX. A experiência foi ainda mais imersiva!

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